domingo, 26 de janeiro de 2014

SOBRE O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS...

Estou lendo o livro “Língua, Texto e Ensino: outra escola possível”, de Irandé Antunes e gostaria de compartilhar com meus colegas de profissão, e com todas as pessoas que se interessam pelo ensino da língua materna em nossas escolas, este texto que apresento abaixo, não na íntegra, mas com os aspectos que considerei mais relevantes.                                                                                                                             
Luza Mai / 26.01.2014



“Num exercício de classe, uma professora solicitou que os alunos analisassem um texto escrito em português do século XVII e pediu que eles opinassem sobre a linguagem usada pelo autor. A maioria dos alunos foi taxativa em mostrar que “o texto estava cheio de erros”. Ou seja, os alunos cedo aprenderam a ver, nas mudanças, simplesmente, erros. Na verdade, simplesmente expressam o que a opinião geral da escola lhes tem feito ver acerca das mudanças linguísticas. 

Os alunos deveriam saber que as mudanças linguísticas são apenas decorrências normais das mudanças históricas e culturais sofridas pelos grupos sociais em que essas línguas são faladas. Na verdade o que faria bem A TODOS NÓS seria mudar de ÓCULOS. Ou seja, enxergar a língua com os olhos da ciência, com os olhos da pesquisa linguística, da investigação antropológica ou de outra qualquer que integre o homem e sua atividade no rol das coisas em MOVIMENTO, em MUTAÇÃO, em CONSTRUÇÃO permanente. Somente assim se poderia romper com a visão ingênua subjacente ao mito da imutabilidade e da homogeneidade linguísticas. 

A ESCOLA tem o papel de explicitar aos alunos que a identidade de cada língua é apenas alguma coisa EM VIAGEM; sem que o padrão anterior seja melhor ou mais puro que o atual. Simplesmente, os dois lados fazem parte da original e sempre INACABADA constituição das línguas. As identidades linguísticas – e todas as outras – são múltiplas, precárias e transitórias. 

É lamentável que o trabalho da escola ainda obscureça esses aspectos contidos na complexidade dos fatos linguísticos. De fato, o trabalho da escola, à volta com as nomenclaturas, ou fechado na análise apenas sintática de frases soltas, de textos construídos artificialmente para exemplificar unidades linguísticas, tem, na grande maioria, deixado de fora a exploração dos SENTIDOS, das INTENÇÕES, das implicações SOCIOCULTURAIS dos usos da língua. Tem deixado de fora, sobretudo, o papel das atuações verbais na condução da própria história das pessoas e dos mundos que elas constroem e habitam. 

Seria extremamente importante que a escola concedesse mais espaço a um trabalho de ANÁLISE sobre os FATOS da língua. Uma análise que tivesse base científica, e, assim, se soltasse das impressões pessoais e das concepções ingênuas do senso comum. Uma análise que se detivesse nos aspectos mais relevantes de sua constituição; ou seja, na língua enquanto fato social, vinculado à realidade cultural em que está inserida e, assim, sistema em CONSTANTE MUTAÇÃO e a SERVIÇO das muitas NECESSIDADES COMUNICATIVAS de seus FALANTES. 

Essa análise incluiria, EVIDENTEMENTE, questões de GRAMÁTICA, mas que soubesse ir muito além do que descrevem ou prescrevem os manuais. Uma análise, enfim, que explorasse os usos reais que são feitos e, assim, pudesse surpreender o movimento de criação e de vida que passa pelo interior da história de todas as línguas. Nessas análises a PRODUÇÃO LITERÁRIA teria um papel de destaque: seria uma forma de vivenciar o gosto pela admiração dos bens simbólicos e estéticos que fazem o patrimônio nacional.
Vale a pena sonhar com o dia em que a escola saiba despertar nos alunos a paixão pela língua portuguesa falada no Brasil”.






Irandé Antunes é uma linguista brasileira com doutorado em Lingüística pela Universidade de Lisboa, com tese intitulada "Aspectos da coesão do texto - uma análise em editoriais jornalísticos", e mestre em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco. Irandé é autora de Aspectos da coesão do texto (1996), o primeiro livro dedicado exclusivamente à questão da coesão no Brasil. Publicou também Aula de português - encontro & interação, Muito além da gramática - por um ensino de línguas sem pedras no caminho, Língua, texto e ensino - outra escola possível, Lutar com palavras e muitos outros artigos em revistas especializadas.

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