terça-feira, 28 de janeiro de 2014

VOVÔ VIU A UVA. VOVÓ VAI À VILA. E DAÍ?!!!




   Um tapete na sala, dois fantoches, duas casinhas em EVA, um cacho de uvas (que havia na geladeira) serviram na composição desta imagem, para exemplificar estas frases, tão famosas, encontradas nas velhas cartilhas de alfabetização: “Vovô viu a uva” e “Vovó vai à vila”.

    Não temos aqui a pretensão de ensinar como se alfabetiza , ou qual o melhor método para esse fim; e sim, levantar alguns pontos, que consideramos importantes, para a reflexão daqueles que são responsáveis por esta nobre tarefa que é a ALFABETIZAÇÃO.

  Após algumas leituras, pesquisas e constatações, e a partir de experiências em sala de aula,  levantamos alguns questionamentos:

   Ø Se a aprendizagem acontece, mais facilmente, a partir de situações e experiências que façam parte do meio em que o indivíduo está inserido, que tenham importância e significado para ele, então, qual a IMPORTÂNCIA de “vovô ter visto a uva”,  para o aluno?
- QUANDO ele a viu?... POR QUE a viu?...ONDE estava ao vê-la...O que FARÁ com ela? - "talvez", se o professor tivesse oportunizado, ou dado condições  de o aluno responder a este tipo de  questionamento, tivesse sido mais produtivo o processo de ensino-aprendizagem.  

   Ø Se para compreendermos um texto são necessárias diversas habilidades, como: decodificação, conhecimentos prévios, ou conhecimento de mundo, fazer inferências, levantar hipóteses, então, qual destas habilidades temos ajudado nosso aluno a desenvolver, ao trabalhar com a frase “Vovó vai à vila”? 

       Ao lermos o texto “Vovó vai à vila”, é preciso que usemos de alguma imaginação para dar um sentido a ele. Este texto, visto assim, de forma isolada, não possui nenhum componente significativo para motivar, ou aguçar o interesse do aluno. O seu único fim é fixar o som da letra “v”, através das aliterações desse fonema, junto aos fonemas vocálicos. 

     Já podemos “deduzir” alguns comentários “do tipo”: “Eu aprendi assim e não tenho nenhum problema com a Língua portuguesa!”. Sim, muitos aprenderam assim; nós aprendemos dessa forma, porque, talvez, não tivéssemos tido dificuldades em associar àquelas frases isoladas e sem significado, a algo “significante” em nossa vida, SEM o auxílio do professor.

     - Mas o que aconteceu com aqueles alunos que NÃO conseguiram estabelecer significado para “Vovô ver a uva”? Para aqueles que queriam saber o que “vovó faria na vila”... Queriam saber se antes desse enunciado - “Vovó vai à vila” - alguém teria perguntado: “ONDE vovó vai?” e então, neste caso, seria uma resposta à pergunta. Provavelmente, os alunos que não estabeleceram conexões com o texto, sejam os REPROVADOS, os REPETENTES, considerados portadores de gravíssimos problemas de aprendizagem, que vêm arrastando-se pelos bancos escolares.

    Levantamos aqui algumas hipóteses, para mostrar que mesmo essas frases, se trabalhadas em sala de aula, devem estar contextualizadas e fazerem um sentido lógico para o aprendiz, principalmente, para aqueles que necessitam de uma maior  intervenção do professor no “caminho da descoberta” do significado das coisas no mundo.


                                                   Luza Mai – 28/01/2014



domingo, 26 de janeiro de 2014

SOBRE O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS...

Estou lendo o livro “Língua, Texto e Ensino: outra escola possível”, de Irandé Antunes e gostaria de compartilhar com meus colegas de profissão, e com todas as pessoas que se interessam pelo ensino da língua materna em nossas escolas, este texto que apresento abaixo, não na íntegra, mas com os aspectos que considerei mais relevantes.                                                                                                                             
Luza Mai / 26.01.2014



“Num exercício de classe, uma professora solicitou que os alunos analisassem um texto escrito em português do século XVII e pediu que eles opinassem sobre a linguagem usada pelo autor. A maioria dos alunos foi taxativa em mostrar que “o texto estava cheio de erros”. Ou seja, os alunos cedo aprenderam a ver, nas mudanças, simplesmente, erros. Na verdade, simplesmente expressam o que a opinião geral da escola lhes tem feito ver acerca das mudanças linguísticas. 

Os alunos deveriam saber que as mudanças linguísticas são apenas decorrências normais das mudanças históricas e culturais sofridas pelos grupos sociais em que essas línguas são faladas. Na verdade o que faria bem A TODOS NÓS seria mudar de ÓCULOS. Ou seja, enxergar a língua com os olhos da ciência, com os olhos da pesquisa linguística, da investigação antropológica ou de outra qualquer que integre o homem e sua atividade no rol das coisas em MOVIMENTO, em MUTAÇÃO, em CONSTRUÇÃO permanente. Somente assim se poderia romper com a visão ingênua subjacente ao mito da imutabilidade e da homogeneidade linguísticas. 

A ESCOLA tem o papel de explicitar aos alunos que a identidade de cada língua é apenas alguma coisa EM VIAGEM; sem que o padrão anterior seja melhor ou mais puro que o atual. Simplesmente, os dois lados fazem parte da original e sempre INACABADA constituição das línguas. As identidades linguísticas – e todas as outras – são múltiplas, precárias e transitórias. 

É lamentável que o trabalho da escola ainda obscureça esses aspectos contidos na complexidade dos fatos linguísticos. De fato, o trabalho da escola, à volta com as nomenclaturas, ou fechado na análise apenas sintática de frases soltas, de textos construídos artificialmente para exemplificar unidades linguísticas, tem, na grande maioria, deixado de fora a exploração dos SENTIDOS, das INTENÇÕES, das implicações SOCIOCULTURAIS dos usos da língua. Tem deixado de fora, sobretudo, o papel das atuações verbais na condução da própria história das pessoas e dos mundos que elas constroem e habitam. 

Seria extremamente importante que a escola concedesse mais espaço a um trabalho de ANÁLISE sobre os FATOS da língua. Uma análise que tivesse base científica, e, assim, se soltasse das impressões pessoais e das concepções ingênuas do senso comum. Uma análise que se detivesse nos aspectos mais relevantes de sua constituição; ou seja, na língua enquanto fato social, vinculado à realidade cultural em que está inserida e, assim, sistema em CONSTANTE MUTAÇÃO e a SERVIÇO das muitas NECESSIDADES COMUNICATIVAS de seus FALANTES. 

Essa análise incluiria, EVIDENTEMENTE, questões de GRAMÁTICA, mas que soubesse ir muito além do que descrevem ou prescrevem os manuais. Uma análise, enfim, que explorasse os usos reais que são feitos e, assim, pudesse surpreender o movimento de criação e de vida que passa pelo interior da história de todas as línguas. Nessas análises a PRODUÇÃO LITERÁRIA teria um papel de destaque: seria uma forma de vivenciar o gosto pela admiração dos bens simbólicos e estéticos que fazem o patrimônio nacional.
Vale a pena sonhar com o dia em que a escola saiba despertar nos alunos a paixão pela língua portuguesa falada no Brasil”.






Irandé Antunes é uma linguista brasileira com doutorado em Lingüística pela Universidade de Lisboa, com tese intitulada "Aspectos da coesão do texto - uma análise em editoriais jornalísticos", e mestre em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco. Irandé é autora de Aspectos da coesão do texto (1996), o primeiro livro dedicado exclusivamente à questão da coesão no Brasil. Publicou também Aula de português - encontro & interação, Muito além da gramática - por um ensino de línguas sem pedras no caminho, Língua, texto e ensino - outra escola possível, Lutar com palavras e muitos outros artigos em revistas especializadas.