quarta-feira, 25 de novembro de 2009

COERÊNCIA TEXTUAL

16º ENCONTRO

DATA: 12/11/09

TEMA: COERÊNCIA E COESÃO


Coerência textual

Um texto é coerente quando é possível interpretá-lo. Estudar a coerência de um texto é, pois, estudar as condições de sua interpretabilidade. Existem condições de interpretabilidade ligadas diretamente ao texto, como o conhecimento e o uso adequado dos recursos léxicos e gramaticais da língua. Se alguém ouvisse ou lesse coisas como:
Quem tem uma foto importada de 1000 cc, que custa US$ 20.000, não vai expô-la ao trânsito de uma cidade como São Paulo.
Holyfield venceu a luta, apesar de ser o mais forte dos lutadores.
não hesitaria em classificá-las como incoerentes. No primeiro caso, houve o uso inadequado de uma palavra do léxico. Basta trocar a palavra foto pela palavra moto que o texto fica coerente. No segundo caso, houve uma falha gramatical. A conjunção apesar de não está adequada para unir as duas idéias expostas no texto. Se a substituirmos pela conjunção pois tudo volta a ficar bem, em uma outra versão como:
Holyfield venceu a luta, pois era o mais forte dos lutadores.
Mas a coerência de um texto depende também de outros fatores, como os elementos contextualizadores que são data, local, assinatura, elementos gráficos etc. “ancoram” um texto em uma situação comunicativa determinada. Imagine o seguinte texto contextualizado de duas maneiras diferentes:
Hoje, eu, o rei, convido todos a comparecer em massa, para assistir ao massacre de Israel.
assinado: Imperador Tito, Jerusalém, ano 70
assinado: Pelé, Rio de Janeiro, 1995.
No caso [a], teríamos o relato de fato relacionado à história do povo judeu. No [b], um prognóstico sobre um jogo de futebol, envolvendo duas seleções.
Mas a coerência de um texto depende também do nosso conhecimento de mundo.Alguém que não conheça a história de Roma, da ocupação da Judéia pelos romanos e a sua destruição pelo imperador Tito, terá mais dificuldades para entender a primeira contextualização.
Se alguém nos disser que, quando assistia a um casamento, a luz se apagou justamente no momento em que a noiva ia saindo da igreja, todos nós saberemos, sem que esteja dito no texto, que a noiva caminhava pelo corredor central da igreja, vindo do altar, em direção à porta principal, e que estava acompanhada do noivo que, nesse momento, já era seu marido. Tudo isso porque, como ocidentais e brasileiros, temos, em nosso repertório, o esquema sobre como se processa um casamento em uma igreja católica. Se disséssemos a mesma coisa a um indiano, por exemplo, ele teria dificuldade em perceber a coerência do texto, por falta de repertório.
A propósito, você consegue imaginar o tipo de cultura ou conhecimento de mundo que tornaria coerente o texto a seguir, citado por Richard Gordon, em seu livro A assustadora história da medicina?
Verrugas – procure um homem que nunca viu o próprio pai e peça para tocar no seu casaco. Como profilaxia, nunca deixe seus filhos tocarem na água onde foram cozidos ovos.
(GORDON, A assustadora história da medicina, p. 157.)


As meta-regras de coerência
Pesquisando sobre a coerência dos textos, um estudioso francês chamado Michel Charolles conseguiu descobrir quatro princípios fundamentais responsáveis pela coerência textual. Chamou-os de meta-regras da coerência. São as seguintes:
Meta-regra da repetição – um texto coerente deve ter elementos repetidos;
Meta-regra de progressão – um texto coerente deve apresentar renovação do suporte semântico;
Meta-regra da não-contradição – em um texto coerente, o que se diz depois não pode contradizer o que se disse antes ou que ficou pressuposto;
Meta-regra de relação – em um texto coerente, seu conteúdo deve estar adequado a um estado de coisas no mundo real ou em mundos possíveis.
Vejamos cada uma delas. A primeira, a meta-regra da repetição, nada mais é do que aquilo que chamamos de coesão textual. O fato de, em uma frase, recuperarmos termos de frases anteriores, por meio de pronomes, elipses, elementos lexicais ou substitutivos constitui um processo de repetição ou recorrência. A coesão textual é, portanto, a primeira condição (necessária, mas não suficiente) para que um texto seja coerente.
A meta-regra de progressão nos diz que um texto deve sempre apresentar informações novas à medida que vai sendo escrito. Vejamos o texto a seguir:
Essa criança não come nada. Fica apenas brincando com os talheres, ou seja: pega a colher, o garfo e não olha para o prato de comida. Ela não se alimenta. Brinca apenas. Diverte-se com uma colher e um cargo e o prato fica na mesa. O ato de brincar substitui o ato de alimentar-se.
Esse texto, embora apresente elementos recorrentes (coesão), não apresenta progressão. É um texto circular, sem informatividade alguma. Portanto, incoerente.
A meta-regra da não-contradição nos diz que cada pedaço de texto deve “fazer sentido” com o que se disse antes. Vejamos o texto a seguir:
Para as tropas aliadas, o dia 4 de junho foi um dia terrível. Os homens da 4ª Divisão de Infantaria ficaram o dia inteiro no mar. Os navios-transporte e as embarcações de desembarque faziam círculos ao largo da ilha de Wight. As ondas arrebentavam sobre os lados, caía uma chuva forte. Os homens estavam prontos para o combate, mas sem destino nenhum. Depois dessa exaustiva caminhada, todos estavam cansados. Nesse dia 3 de junho, ninguém queria jogar dados ou pôquer, ou ler um livro ou ouvir outra instrução. O desânimo tomava conta de todos.
(AMBROSE, O dia D – 6 de julho de 1944: A batalha culminante da Segunda Grande Guerra, p. 221. – adaptado - )
A informação de que os soldados estavam exaustos depois de uma caminhada contradiz o que está pressuposto na parte inicial do texto. Afinal, eles estavam embarcados em navios-transporte e embarcações de desembarque e pressupõe-se que, nessas condições, soldados não façam caminhadas. A informação de que no dia 3 de junho ninguém queria jogar dados ou pôquer etc. contradiz o que está explicitado no início: o dia era 4 de junho. O texto em questão tem coesão, progressão, mas é contraditório e, por isso, incoerente.
Finalmente, a meta-regra de relação estabelece que o conteúdo do texto deve estar adequado a um estado de coisas no mundo real ou em mundos possíveis. Vejamos o seguinte texto:
O município de São José do Rio Preto abrange uma região imensa que é composta por vários Estados limítrofes que ocupam uma área respeitável [...] Conta ainda com uma superpopulação, com uma maioria de pessoas cultas e uma juventude com grandes recursos educacionais, cursando as várias escolas e faculdades.
Isto posto, nossa cidade sente falta urgente de uma Capela Crematória. Para os leigos é preciso esclarecer que, para um corpo ser exumado através de forno crematório, há necessidade que ele registre esta vontade em duas testemunhas. Somente o interessado poderá usar esta forma de suprir seu desejo, caso contrário, a exumação seria da forma natural, ou seja: o sepultamento.
(Diário da Região,S.J. do Rio Preto,15 abr. 1998 (trecho de uma carta escrita por um leitor)
Esse texto contraria de várias maneiras a meta-regra de relação, pois seu conteúdo não está de acordo com o mundo real. Afinal, São José do Rio Preto não se limita com vários Estados, não tem superpopulação, um corpo (uma pessoa morta) não pode mais registrar vontade alguma, e, se pudesse, não seria em duas testemunhas, mas diante de duas testemunhas. Há também o emprego inadequado do léxico. Afinal, exumar não é o mesmo que cremar ou sepultar.


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